- Sobre religião e teólogos.
Oh! como são numerosos os que, em pleno meio-dia, acendem velas aos pés da Virgem Mãe de Deus! Mas, não se acha quase nenhum que siga os seus exemplos de castidade, de modéstia, de zelo pela causa da salvação. No entanto, a imitação das suas virtudes seria o único culto capaz de assegurar o céu aos devotos.
Talvez fosse melhor não falar dos teólogos, tão delicada é essa matéria e tão grande é o perigo de tocar em semelhante corda. Esses intérpretes das coisas divinas estão sempre prontos a acender-se como a pólvora, têm um olhar terrivelmente severo e, numa palavra, são inimigos muito perigosos.
Em todas essas facções, são tantas as erudições e tantas as dificuldades, que, se os próprios apóstolos descessem à terra e fossem obrigados a discutir com os teólogos modernos sobre essas sublimes matérias, sou de opinião que teriam necessidade de um novo espírito totalmente diverso daquele que, em seu tempo, lhes dava a possibilidade de falar.
Mas, adiantem-se agora, se quiserem; e os incrédulos, os pagãos, os judeus, os hereges, todos, todos sem exceção, deverão converter-se e ceder à forca das ínfimas sutilezas dos teólogos modernos. É preciso ser estúpido ou imprudente para não conhecer o valor das suas argúcias ou desprezá-las.
Quantas lindas lorotas não vão esses doutores impingindo a respeito do inferno? Conhecem tão bem todos os seus apartamentos, falam com tanta franqueza da natureza e dos vários graus do fogo eterno, e das diversas incumbências dos demônios, discorrem, finalmente, com tanta precisão sobre a república dos danados, que parecem já ter sido cidadãos da mesma durante muitos anos.
O meu propósito não é investigar e satirizar a vida dos prelados e dos padres, mas fazer o meu elogio: que ninguém pense que, ao louvar os maus princípios, queira eu censurar os bons.
- Sobre os astrólogos.
Mas, não esqueçamos os astrólogos, aos quais o céu serve de biblioteca e os astros servem de livros. Graças a esse estudo, compreendem tudo muito bem e revelam o futuro, predizendo maiores prodígios do que os magos. E o mais bonito é que ainda têm a fortuna de encontrar crédulos.
- Sobre os ricos, principes e a guerra.
Outros, imaginando-se ricos, arquitetam belíssimas quimeras de fortuna e vivem felizes nas suas esperanças. Alguns querem passar por ricos, embora às vezes chegue a lhes faltar o necessário. Um apressa-se a esbanjar todos os seus bens, enquanto outro está sempre preocupado em acumular, por meios lícitos, tudo o que pode.
Já é tempo de dizer alguma coisa sobre os príncipes e os grandes, que são justamente o oposto dos velhacos e impostores de que acabei de falar, pois me prestam o seu culto sem nenhuma reserva e com a franqueza própria do seu estado. Se esses felizes semideuses tivessem na cachola meio grama apenas de cérebro, que haveria no mundo de mais triste e miserável que a sua condição?
Com efeito, observemos em que consistem as obrigações de um homem que é posto à testa de uma nação. Deve dedicar-se dia e noite ao bem público e nunca ao seu interesse privado; pensar exclusivamente no que é vantajoso para o povo; ser o primeiro a observar as leis de que é autor e depositário, sem desviar-se nunca de nenhuma delas; observar, com firmeza e com os próprios olhos, a integridade dos secretários e dos magistrados; ter sempre presente que todos têm os olhares fixos na sua conduta pública e privada, podendo ele, à maneira de um astro salutar, influir beneficamente sobre as coisas humanas, ou, como um infausto cometa, causar as maiores desolações.
A guerra é, por natureza, tão cruel, que muito mais conviria às feras do que aos homens; tão insensata que os poetas a atribuíram às fúrias do inferno; tão pestilenta que corrompe todos os costumes; tão iníqua que a fazem melhor perversos ladrões do que homens probos e virtuosos; finalmente, tão ímpia que nenhuma relação possui com Jesus Cristo nem com sua moral.
(Fim do bloco III)
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