terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Encomium Moriae - Elogio da Loucura

O livro "Elogio da Loucura" ("Encomium Moriae") de Erasmo de Rotterdam (1466 — 1536) é uma crítica inteligente e ácida contra a sociedade, as instituições e pessoas de sua época. Mesmo tendo sido escrito em 1508 e  publicado alguns anos depois, muitas críticas são ainda atuais e perfeitamente cabíveis ao nosso mundo.

Abaixo, alguns trechos (na tradução de Paulo M. Oliveira) que destacamos do texto. Para que a postagem não fique excessivamente longa, dividimos em três grandes blocos aproximadamente coerentes. O títulos dos tópicos são meus.

- Preâmbulo. A Loucura se apresenta.

Assim, pois, sigo aquele conhecido provérbio que diz: Não tens quem te elogie? Elogia-te a ti mesmo.

Não julgueis que assim vos fale por ostentação de engenho, como costuma fazer a maior parte dos oradores.  Estes, como bem sabeis, depois de se esfalfarem bem uns trinta anos em cima de um  discurso, talvez surrupiado de outrem, são tão impudentes que procuram impingir que o  fizeram, por divertimento, em três dias, ou então que o ditaram.

Não existe em mim simulação alguma, mostrando-me eu por fora o que sou no coração.

- Sobre os homens em geral.

Vê-se claramente que o homem não nasceu para gozar aqui na terra de uma felicidade perfeita.

Os homens que se consagram ao estudo da ciência são, em geral,  infelicíssimos em tudo, sobretudo com os filhos. Suponho que isso provenha de uma  precaução da natureza, que dessa forma procura impedir que a peste da sabedoria se  difunda em excesso entre os mortais.

Tomareis o sábio mais por uma estátua do que por um homem, a tal ponto se mostra ele  embaraçado em cada negócio. Assim, o filósofo não é bom, nem para si, nem para o seu  país, nem para os seus. 

Tudo o que fazem os homens está cheio de loucura. São loucos tratando com loucos. Por  conseguinte, se houver uma única cabeça que pretenda opor obstáculo à torrente da  multidão, só lhe posso dar um conselho: que, a exemplo de Timão*, se retire para um  deserto, a fim de aí gozar à vontade dos frutos de sua sabedoria.

* Escandalizado com os costumes dos seus concidadãos, esse filósofo se retirou para um deserto, rompendo toda a ligação com os homens.

- Sobre a vida e a condição humana.

Quem anima os homens a descobrir, a transmitir  aos seus pósteros tantas produções, ao parecer excelentes, se não a sede de glória? Acharam  esses homens, na verdade bastante tolos, que não deviam poupar nem velas, nem suor, nem  esforços de fadiga para conquistar não sei que imortalidade, a qual não passa, em última  análise, de uma belíssima quimera. Deveis, pois, à Loucura todos os bens que já se  introduziram no mundo, todos esses bens que estais gozando e que tanto contribuem para a  felicidade da vida.

Vamos à aplicação: que é, afinal, a vida humana? Uma comédia. Cada qual aparece diferente de si mesmo; cada qual  representa o seu papel sempre mascarado, pelo menos enquanto o chefe dos comediantes  não o faz descer do palco. 

Além disso, se a natureza vos fez homens, a verdadeira prudência exige que não vos eleveis acima da condição humana. 

Eu desejaria que esses censores indiscretos  soubessem dizer-me o que será mais estúpido: viver alegre e satisfeito, ou eternamente  desesperado até se enforcar com uma corda. 

Não imaginais quanto perdem os pássaros da sua primitiva  beleza, quando aprendem, nas gaiolas, os nossos cantos.

Por tudo isso, nunca terei louvado bastante a Pitágoras por se ter transformado em galo.  Esse filósofo, em virtude da metempsicose, passou por todos os estados: filósofo, homem,  mulher, rei, confidente, peixe, cavalo, rã e creio até que  esponja. E, depois de todas essas  transmigrações, declarou que o homem era o mais infeliz de todos os animais, pois todos os  outros estão satisfeitos de ficar nos limites prefixados pela natureza, enquanto só o homem  se esforça por ultrapassá-los.

(Fim do Bloco I)

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