sábado, 26 de abril de 2025

Mulheres na Ciência e na Engenharia: Barreiras Históricas e a Luta por Reconhecimento

Jocelyn Bell Burnell na época do seu doutorado.

A participação das mulheres na ciência e na engenharia tem sido historicamente limitada por barreiras sociais, culturais e institucionais, incluindo preconceito de gênero e normas patriarcais que moldaram as estruturas acadêmicas e científicas por séculos. Esses fatores criaram um ambiente em que as contribuições femininas foram frequentemente subestimadas, ignoradas ou apagadas. Até hoje, a relação entre homens/mulheres nos cursos de física, química, engenharias está muito longe de ser meio a meio (na pós-graduação, quase 67% são homens com mestrado ou doutorado em engenharias ou ciências exatas e da terra). Vamos explorar este tema em mais detalhes.

Contexto Histórico: Barreiras Institucionais
No início do século XX, as mulheres enfrentavam obstáculos significativos para acessar a educação superior, especialmente em ciências. Muitas universidades renomadas, como Oxford e Cambridge, só começaram a admitir mulheres em condições de igualdade a partir das décadas de 1920 e 1930, e mesmo assim com restrições. Por exemplo, em Cambridge, as mulheres só receberam diplomas plenos a partir de 1948. Nos Estados Unidos, instituições como Harvard e Yale também limitavam o acesso feminino, frequentemente relegando-as a faculdades separadas ou programas específicos.
Além disso, as normas sociais da época desencorajavam as mulheres a seguirem carreiras acadêmicas ou científicas, reforçando a ideia de que seu papel principal era doméstico. Mesmo quando conseguiam estudar, enfrentavam discriminação em laboratórios, falta de mentoria e exclusão de redes informais que eram cruciais para o avanço na carreira científica.
O Caso do Prêmio Nobel de Física de 1974
Um exemplo emblemático de apagamento é o caso de Jocelyn Bell Burnell, uma astrofísica britânica que desempenhou um papel central na descoberta dos pulsares, estrelas de nêutrons que emitem pulsos regulares de radiação. Em 1967, enquanto era estudante de doutorado na Universidade de Cambridge, Bell Burnell identificou sinais anômalos em dados de rádio que levaram à descoberta dos pulsares, um marco na astrofísica. No entanto, quando o Prêmio Nobel de Física de 1974 foi concedido por essa descoberta, ele foi dado ao seu orientador, Antony Hewish, e a outro colega, Martin Ryle, excluindo Bell Burnell.
Embora Hewish tenha defendido que o prêmio foi justo por sua liderança no projeto, a exclusão de Bell Burnell gerou críticas generalizadas e é frequentemente citada como um exemplo de sexismo estrutural na ciência. A própria Bell Burnell, anos depois, comentou que a cultura da época não favorecia o reconhecimento de mulheres ou estudantes, mas ela também destacou que o incidente a motivou a lutar por maior inclusão na ciência. Em 2018, ela recebeu o Breakthrough Prize, doando o valor de 3 milhões de dólares para criar bolsas para cientistas de grupos sub-representados.
Outros Exemplos de Apagamento e Desafios
  • Rosalind Franklin: Na descoberta da estrutura do DNA, Franklin produziu a famosa "Foto 51", uma imagem de difração de raios X crucial para determinar a estrutura de dupla hélice do DNA. No entanto, James Watson, Francis Crick e Maurice Wilkins receberam o Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1962, após a morte de Franklin em 1958, e sua contribuição foi minimizada por anos.
  • Lise Meitner: Meitner foi fundamental na descoberta da fissão nuclear, mas o Prêmio Nobel de Química de 1944 foi dado apenas a Otto Hahn, seu colaborador. Meitner, uma judia austríaca que fugiu do nazismo, foi amplamente ignorada na época, embora hoje seja reconhecida como uma das grandes físicas do século XX.
  • Emmy Noether: Uma das maiores matemáticas da história, Noether enfrentou barreiras para ensinar na Universidade de Göttingen na década de 1910, apesar de suas contribuições revolucionárias à álgebra abstrata e à física teórica (como o Teorema de Noether). Ela só conseguiu um cargo oficial após muita resistência institucional.
Avanços e Desafios Atuais
Embora as mulheres tenham conquistado mais espaço na ciência ao longo do século XX e início do XXI, os desafios persistem. Até 2025, apenas cerca de 12% dos ganhadores do Prêmio Nobel em ciências (Física, Química e Fisiologia ou Medicina) são mulheres. Em 2023, por exemplo, apenas 5 mulheres estavam entre os 94 premiados em ciências, segundo dados históricos do Nobel.
Hoje, as mulheres representam cerca de 33% dos pesquisadores globais, de acordo com a UNESCO, mas ainda enfrentam desigualdades salariais, sub-representação em cargos de liderança e estereótipos de gênero. No Brasil, um estudo de 2022 da Academia Brasileira de Ciências mostrou que as mulheres são maioria entre os doutorandos (cerca de 54%), mas ocupam apenas 25% das posições de liderança em instituições científicas.
Iniciativas para Mudança
Diversas iniciativas têm buscado corrigir essas desigualdades:
  • Programas de Mentoria: Organizações como a "Girls in Science" e a "Mulheres na Ciência" no Brasil promovem a participação feminina em STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática).
  • Reconhecimento Tardio: Prêmios como o já mencionado Breakthrough Prize para Jocelyn Bell Burnell ajudam a corrigir injustiças históricas.
  • Políticas de Inclusão: Universidades e agências de fomento, como a CAPES e o CNPq no Brasil, têm implementado políticas para aumentar a participação feminina, como cotas em editais e suporte para pesquisadoras mães.
Conclusão
A história das mulheres na ciência é marcada por contribuições extraordinárias e, ao mesmo tempo, por barreiras sistêmicas que as impediram de receber o devido reconhecimento. Casos como o de Jocelyn Bell Burnell e a exclusão das mulheres das universidades no início do século XX ilustram o impacto do preconceito de gênero, mas também mostram a resiliência das mulheres que, mesmo enfrentando adversidades, transformaram a ciência. Embora avanços tenham sido feitos, a luta por igualdade de gênero na ciência continua, exigindo mudanças culturais e estruturais para garantir que as mulheres tenham as mesmas oportunidades e reconhecimento que seus colegas homens.
 
Obs: um exemplo notável que conseguiu 'furar' o sistema foi a Madame Curie e sua filha Irène.  

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