António Manuel Seixas Sampaio da Nóvoa (Valença, 12 de dezembro de 1954) é um professor universitário português, doutor em Ciências da Educação (Universidade de Genebra) e História Moderna e Contemporânea (Paris-Sorbonne). Atualmente, é professor catedrático do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa e reitor honorário da mesma universidade.
É autor de mais de 150 publicações, entre livros, capítulos e artigos, editadas em 12 países. Foi candidato independente às eleições presidenciais de 2016, agregando vários apoios à esquerda (fonte aqui).
Em uma entrevista à
Carta Educação (do
site de Educação da CartaCapital), o professor e pesquisador
António Nóvoa aponta alguns dos problemas enfrentados pela educação brasileira, analisando alguns pontos nevrálgicos, a falta de senso do atual governo e descompromisso da elite com a escola.
Alguns trechos:
(...)
CE: Essa falta de indignação não está
relacionada ao fato das classes mais abastadas no Brasil matricularem
seus filhos na escola privada, isto é, da educação pública ser um
“problema” das classes mais pobres?
AN: Com certeza. Para quem vem de fora e olha para o
Brasil, esse continua a ser o problema maior, o da desigualdade. É um
raciocínio de vistas estreitas, de quem não percebe que não resolvemos
nossos problemas se não resolvermos o problema dos outros. E as elites
brasileiras são muito separadas do compromisso social. Fazem umas
coisinhas filantrópicas para se justificarem, para fazerem de conta, mas
não têm compromisso social nenhum. Enquanto não houver uma consciência
coletiva de que o problema é de todos, o Brasil não avançará do ponto de
vista da educação pública. Em Portugal, desde a revolução de 74, houve
uma espécie de compromisso do país com a escola pública. Demorou 40 anos
para isso acontecer, mas hoje estamos nos indicadores educacionais
acima de países que investiram em educação quando éramos o último da
Europa. Vejamos o Pisa, por exemplo, que é um indicador que eu não gosto
muito, mas que serve para ilustrar. O Pisa tem dois indicadores: um do
qual se fala muito que é classificação dos países, o ranking de
qualidade, e outro do qual não se fala quase nada, que é o indicador de
equidade, isto é, os países que possuem menos desigualdades
educacionais. Portugal vai bem no ranking da classificação, mas,
sobretudo, vai melhor no ranking da equidade. E é isso que torna um país
melhor. Enquanto continuar cada um tratando de si, da escola dos seus
filhos, dos seus problemas, o Brasil estará caminhando para um
precipício.
(...)
CE: Qual sua opinião sobre a reforma curricular
que foi feita no Ensino Médio no Brasil que inclui o agrupamento por
áreas do conhecimento, maior foco no ensino técnico, permissão para que
pessoas com “notório saber” possam dar aulas, entre outros pontos?
AN: O mundo inteiro é um cemitério de reformas;
reformas curriculares então nem se fala. É muito fácil fazê-las, o mais
difícil é aquilo que falamos no princípio: dar as coisas básicas e
simples, as condições de funcionamento para escolas, professores. Isso
dito, o Ensino Médio foi um problema no mundo todo 20 anos atrás,
período em que os países passaram a educação obrigatória para o final da
etapa. Nesse sentido, o Brasil está bastante defasado. No que diz
respeito à diminuição do currículo, sou sensível ao argumento. Acho que
as escolas têm muitas coisas para ensinar. Desde o século XIX, ninguém
tirou nada da escola, só meteu mais conteúdo. Sou também sensível a um
segundo ponto que está na retórica da reforma que é a ideia dos
percursos formativos. São argumentos importantes no sentido de tornar
mais coerente o currículo e, por outro lado, permitir uma certa
diferenciação da trajetória de cada. O problema dessas duas retóricas é
que elas conduzem para três coisas que não estou de acordo e que, para
mim, são as coisas que estão a acontecer no Brasil.
(...)
CE: E qual sua opinião sobre a adoção do “notório saber“?
AN: O programa
Teachers For America, do
George Bush, que recrutava pessoas de notório saber para serem
professores foi um desastre porque, obviamente, ser professor não é ter
notório saber em uma matéria, é muito mais complexo que isso. Tem uma
dimensão social, pedagógica, cultural muito mais ampla. Aliás, há um
equívoco enorme que é o de achar que a missão de um professor de
matemática é ensinar matemática. Não é. A missão de um professor de
matemática é formar uma criança através da matemática, o que é
completamente diferente. Porque não se pode ser cidadão sem saber
matemática. A cidadania implica saber matemática, português, história.
Ora, não é por termos notório saber em química que seremos bons
professores dessas disciplinas. Isso é acabar com a alma, com a
identidade da profissão.
(...)
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