terça-feira, 23 de agosto de 2011

Xadrez e doutorado: uma tese de doutorado sobre xadrez!

"... cheguei à conclusão pessoal de que,
enquanto nem todos os artistas não 
são jogadores de xadrez, todos os
jogadores de xadrez são artistas."
Marcel Duchamp

Não, não vou dizer que o doutorado atrapalha o xadrez, embora seja verdade no meu caso! Vou falar (ou melhor, escrever) brevemente sobre uma pesquisa acadêmica de alto nível que estuda o jogo de xadrez, o raciocínio, a intuição e o processo criativo.

Eu já havia pensado em escrever alguma coisa sobre esse tópico e, depois de uma conversa com o MF Sílvio Cunha na última rodada da 2a. etapa do Circuito Inelsa, encotrei o material que precisava! Vai a aqui o registro do meu muito obrigado ao Sílvio!

O xadrez já foi alvo muitas pesquisas, pois consegue refletir muito bem como são tomadas as decisões em situações onde não temos pleno conhecimento dos eventos futuros. Além disso, "As ferramentas e a mecânica do jogo compõem um modelo exemplar de engenharia."

Alguns trechos da tese de mais 500 páginas de Kariston Pereira (os títulos dos tópicos são meus):
  • Sobre a regra dos "10 anos":
Feldman (2008) reitera a importância da aquisição de altas habilidades no domínio para o desenvolvimento da criatividade. Casos de prodígios no xadrez como Bobby Fischer e Judit Polgar, que atingiram o nível de Grande Mestre em torno dos quinze anos de idade, podem parecer intrigantes. Um exame mais criterioso de suas trajetórias, no entanto, confirma mais uma vez a “regra dos dez anos” proposta por Simon e Chase (1973) uma vez que ambos iniciaram por volta dos cinco anos de idade. O autor complementa sua abordagem dizendo que, contrário à crença popular, quanto mais extremo o caso do prodígio, se descobre que mais importante e ótima foi sua preparação prévia.

  • Sobre abdução:
Mas do que se trata, na prática, a abdução? Hoffmann (1999) procura explicar que, uma pessoa, ao se deparar com um turbilhão de fatos relativos a um problema, os pode examinar sem conseguir, contudo, entender claramente o que está acontecendo ou aconteceu. Tenta-se, sem sucesso, compreendê-los, colocá-los em uma ordem que ajude na resolução do enigma, mas nenhuma ideia clara de como fazê-lo surge à mente. Mas depois de inúmeras tentativas e esforços, quando já se está para desistir, de repente, ocorre que ao se assumir que algo seja verdade tudo parece se esclarecer e os fatos, como mágica, se autoorganizam. Isto é abdução.

  • Sobre um GM do xadrez e o "resto" da humanidade:

Em 1946, Adriaan D. de Groot (1914-2006) publicou um estudo inédito intitulado “Het denken van den shaker”, na sua versão original em holandês. Em 1965, esse trabalho foi traduzido para o inglês com a denominação de “Thought and choice in chess” (GROOT, 1965, 1978, 2008). Nesse célebre trabalho, Groot surpreendeu a ciência cognitiva, então embrionária, ao afirmar que grandes jogadores de xadrez não apresentavam diferenças significativas nas capacidades de cálculo, memória ou mesmo na velocidade de raciocínio. O que realmente os diferenciava, segundo Groot (2008), era um modo de percepção altamente elaborado e específico, capaz de reconhecer um maior número de padrões com mais rapidez, estreitando a faixa de opções a serem calculadas, e que, associado à construção de um sistema de métodos rotineiros de jogo (ambos baseados na experiência e conhecimentos adquiridos através de uma dedicada e continuada prática, estudo e análise de partidas), permitia-lhes uma melhor tomada de decisão.

  • Xadrez e criativadade:
A criatividade, também nesses casos, manifesta-se na busca por uma solução a um problema apresentado. Normalmente soluções convencionais são conhecidas e detectadas por ambos os jogadores no decorrer de uma partida, de forma que a busca por conexões não evidentes pode transformar-se em vantagens de tempo, espaço e material. O que faz o Mestre subir na tabela de classificação, mais do que o conhecimento de aberturas, padrões de ataque e defesa e técnica de finais, é a capacidade de perceber as exceções ao conhecimento estabelecido, em uma concepção criativa, inesperada, que estabelece uma conexão entre elementos de uma forma não trivial.

  • Trabalho duro na preparação de um match:
... o GM indiano Viswanathan Anand, campeão mundial de xadrez desde 2007, trabalha em torno de oito a dez horas diárias no refinamento de seus conhecimentos e habilidades. Na primeira entrevista, Anand (2008) conta que, ao se preparar para o campeonato mundial de 2008, contra o GM russo Vladimir Kraminik, estudou os métodos e técnicas de seu adversário durante aproximadamente seis meses (o match pelo título mundial de 2008 foi realizado em outubro daquele ano), dedicando dez horas diárias a esse trabalho.

Antes que eu me esqueça, o título da tese é típico: uma sopa de conceitos. Ei-lo: "O RACIOCÍNIO ABDUTIVO NO JOGO DE XADREZ: A CONTRIBUIÇÃO DO CONHECIMENTO, INTUIÇÃO E CONSCIÊNCIA DA SITUAÇÃO PARA O PROCESSO CRIATIVO". Essa tese foi defendida em dezembro de 2010 - UFSC.

Para quem desejar saber mais, consultar a tese de Kariston Pereira ou o artigo recentemente publicado por aquele autor.

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