domingo, 8 de agosto de 2010

O vendedor de almas

 

Alguns homens têm profissões estranhas, prosaicas, outros profissões tão antigas e nobres quanto a própria civilização. K é um deles. Ele é um negociante, um vendedor.

O que torna K notável e o destaca da multidão de comerciantes de frutas, carros, enciclopédias, computadores, tecidos e outros milhares de itens absolutamente corriqueiros e convencionais é justamente o produto que ele comercializa: almas.

Um detalhe deixa o comércio de K ainda mais bizarro: ele vende as almas de pessoas ainda vivas. E um ponto deixa o leva ao limiar da desonestidade: o contrato de compra e venda é lavrado sem o conhecimento da alma, isto é, da alma da pessoa em questão. É quase um vendedor de escravos moderno, mas ele não faz distinção de almas de brancos, negros, amarelos, índios ou mestiços. Nesse ponto todos concordam que K não é preconceituoso.

O contrato deixa claro que a alma em negociação só pertencerá ao futuro comprador após a morte, em geral natural, da pessoa negociada. Claro que como bom vendedor K também negocia almas que já estão por aí, vagando e disponíveis nesse mercado fantasmagórico.

Mesmo sendo um negócio nebuloso e escassamente divulgado, as vendas crescem ano após ano, pois os compradores sempre se mostram ávidos por possuírem algo tão imaterial e duradouro como uma alma humana.

Obviamente que alguns compradores reclamam que o produto comprado parece estar sempre distante e etéreo. Mas o contrato do esperto vendedor é bem claro: nada de devolução. A alma pertence ao comprador enquanto ele estiver vivo. Também aparecem compradores assustados dizendo que estão sempre sentindo uma sombra lhes perseguindo, mesmo quando estão em ambiente totalmente escuro. Outros contam que foram salvos de acidentes por um triz. E só conseguem atribuir estas ações às boas almas aprisionadas pelo contrato. K não se furta de ouvir essas histórias. Na verdade, ele está compilando esses relatos e pretende lançar um livro em breve. Esta pensando até em, ele mesmo, comprar uma alma, talvez de algum escritor famoso, para lhe ajudar na sua futura obra literária.

Quando surgir por aí um novo livro sobre fantasmas, almas e um comércio um tanto obscuro, o autor será certamente K.