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"Segue um breve relato da nossa participação em pesquisa coordenada pela professora Mara Telles, da UFMG (não tão breve para o tamanho médio de textos postados no Facebook).
Na quarta-feira à noite (22/05), vi postagem no Facebook da professora Mara Telles convidando voluntários para participação na aplicação, em Belo Horizonte, de questionários na manifestação que ocorreria no dia 26 e perguntei a ela se não poderíamos aplicar o mesmo questionário em Fortaleza para podermos comparar o perfil dos manifestantes das duas cidades. Ela me informou que a pesquisa seria realizada em parceria entre a Agência PRESS e o grupo de pesquisa coordenado por ela e nos autorizou a participar.
Eu fiz convite semelhante em grupo fechado do curso de graduação em ciências sociais e marquei uma reunião de treinamento para sexta-feira, às 16h. Para garantir uniformidade na metodologia de aplicação dos questionários, contamos com a participação de integrantes do grupo de pesquisas coordenado pela professora Mara Telles na reunião. Vinte e três alunos participaram do treinamento.
Nosso objetivo era traçar um perfil dos manifestantes. O questionário continha, entre outras, várias perguntas e afirmações baseadas em postagens de grupos de apoiadores de Jair Bolsonaro. A aplicação bem sucedida do questionário permitiria saber quais dessas afirmações têm maior apoio e quais têm apoio apenas em alguns segmentos dos manifestantes.
Nossa estratégia foi nos dividirmos em dois grupos. Um primeiro grupo de seis alunos, sob minha coordenação, foi para a concentração da carreata que sairia da Avenida Pontes Vieira. Quando os manifestantes começaram a chegar, os pesquisadores iniciaram seu trabalho de se aproximar dos manifestantes e perguntar se concordavam em ser entrevistados. Quando algumas pessoas que pareciam ser organizadoras do evento perceberam que estavam ocorrendo entrevistas, elas se aproximaram dos entrevistados e os orientaram a não concederem entrevista porque nosso objetivo seria deturpar suas palavras. Alguns manifestantes seguiram as orientações das suas lideranças e se recusaram a ser entrevistados, mas outros queriam dizer o que pensavam. A minha estratégia nesse momento foi me posicionar entre as lideranças e as pessoas em situação de entrevista para que o encarregado de esclarecer o propósito da pesquisa às lideranças fosse eu, ficando os entrevistadores livres para continuar seu trabalho.
Devido à parceria com a Agência PRESS, e por já antecipar que não seríamos bem-vindos, optamos por nos apresentar em nome da Agência PRESS, organização para a qual, de fato, estávamos trabalhando pois os dados que coletássemos seriam da agência e não nossos. Uma das lideranças da manifestação perguntou se eu era de universidade. Eu respondi que sim. De qual? Da UFC. Qual curso? Ciências Sociais. É professor? Sim. Eles ficaram sem ter do que me acusar e minha conversa com eles se concentrou na explicação da metodologia da pesquisa: tratava-se de um questionário com perguntas fechadas e, portanto, os entrevistados iriam apenas selecionar algumas opções de resposta, não havendo o que deturpar. Não podíamos entregar uma cópia do questionário para as lideranças o avaliarem porque as respostas que as pessoas dão a questões que ouvem pela primeira vez é diferente da resposta a questões já conhecidas, etc… Enquanto eu conversava animadamente com as lideranças e posava para fotos que seriam enviadas para Brasília, um questionário foi rasgado por uma entrevistada e outro rasgou os cartões de resposta, mas, mesmo assim, os entrevistadores conseguiram completar a aplicação de 18 questionários graças à colaboração de manifestantes que queriam ter suas opiniões conhecidas e compreendidas.
Quando a carreata saiu em desfile pela cidade, fui deixar os questionários já preenchidos em casa para que fosse iniciada a digitação dos dados. Quando cheguei à Praça Portugal. A professora Monalisa Soares havia tentado usar na praça os mesmos argumentos que eu havia usado na concentração da carreata. Mas lá o número de pessoas era maior, assim como eram mais intensos e frequentes os avisos no carro de som de que um pessoal da UFC, inimigo do Bolsonaro, estava realizando uma pesquisa falsa com o objetivo de prejudicar seu ídolo. A grande maioria dos manifestantes era pacífica e estava presente com a família, avós, filhos, etc. Mas alguns mais exaltados pelo discurso inflamado emitido a partir do carro de som ameaçavam matar os infiltrados da UNE que faziam pesquisa falsa e dois manifestantes avisaram a uma entrevistadora que ela deveria sair dali se não quisesse ser estuprada. Isso deixou uma parte da equipe em pânico e a outra parte ocupada em acalmar quem estava com medo. O resultado foi que conseguimos aplicar apenas mais 28 questionários, a maioria nas ruas próximas e não na praça em si.
Aprendizado metodológico: Da próxima vez somente podemos permitir a participação de entrevistadores que não tenham medo de ameça de estupro. Isso exclui 100% das mulheres. Dentre os homens, teremos que excluir os que têm medo de ameaça de morte.
Mas não podemos desistir de fazer pesquisa. Os apoiadores de Jair Bolsonaro são seres humanos inseridos em uma teia de relações sociais. E nós somos cientistas sociais e estudamos relações sociais de seres humanos. A forma mais prática de saber os significados que as pessoas dão às suas relações sociais é perguntando a elas. Se houver oportunidade, tentaremos novamente."
Relato do prof. Jakson Aquino, professor da UFC.
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