sábado, 20 de fevereiro de 2021

Razão x fé x teísmo x ateísmo em dois livros - dicas de leitura


As relações entre fé, religião, razão, política e vida prática podem ser problemáticas. Em alguns lugares pessoas morrem e matam por causa da fé ou por causa da religião que seguem ou deixam de seguir. O mundo é um ambiente muito plural e diversas tradições religiosas muito diversas existem. Algumas pessoas, entretanto, preferem não seguir religião alguma e, algumas vezes de forma bem clara, negam a existência de Deus. Contudo, o diálogo entre um crente e um não crente não só é possível, mas também é necessário. Nos livros "Crer ou não crer: uma conversa sem rodeios entre um historiador ateu e um padre católico" e "Em que crêem os quais não crêem? Um diálogo sobre a ética no fim do milênio" tem exemplos desses diálogos. Em "Crer ou não crer" o diálogo é realmente na forma de uma longa conversa, já "Em que crêem os quais não crêem?" não existe propriamente um diálogo, mas trocas de cartas que discutem vários tópicos de religião. São diálogos respeitosos e sem a intenção de um converter o outro. Vale pelo aprendizado e pela discussão de temas polêmicos sob pontos de vista bem diferentes. 
 
Isso tudo me faz lembrar da seguinte regra de fé de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias: 11 Pretendemos o privilégio de adorar a Deus Todo-Poderoso de acordo com os ditames de nossa própria consciência; e concedemos a todos os homens o mesmo privilégio, deixando-os adorar como, onde, ou o que desejarem.


Um trecho do debate entre Fábio de Melo e Leandro Karnal:

Karnal: Não é possível ser budista e católico.
Padre Fábio: Justamente! Eu posso até dizer, como cristão, que encontrei na reflexão budista aspectos que me favorecem crescer na minha vida cristã. Há ensinamentos que se encontram. Conheço católicos que descobriram na meditação uma técnica de concentração que facilita a reflexão que fazem diariamente do Evangelho. Veja bem, não estamos falando de teologia. É uma prática ritual, um caminho que facilita o voltar-se para dentro, o chegar a si. Agora, quando você tem antropologias e teologias que se opõem radicalmente, como conciliá-las? 
Karnal: Mas você nota isso?
Padre Fábio: Sim, o tempo todo. A adesão que não contempla o conhecimento é um campo fértil para a ignorância religiosa. E a customização é um resultado do não comprometimento com as instituições religiosas. Cada um vive ao seu modo, de acordo com o que lhe interessa.
Karnal: Eu acho que a crença das pessoas é, essencialmente, crença em si. É um pouco duro dizer isso, mas nós vivemos a era de adoração a Narciso. Usando uma ideia que é de Agostinho, quando afasto da Bíblia o que eu não quero e seleciono o que quero, eu creio em mim e não na Bíblia.
Padre Fábio: Sim, é muito comum encontrar crentes assim.

Dois trechos entre as cartas trocadas por Umberto Eco e Carlo M. Martini:

Umberto Eco: (...) Os laicos não têm direito a criticar o modo de viver de um crente salvo no caso, como sempre, de que vá contra as leis do Estado (por exemplo, a negativa a que aos filhos doentes lhes pratiquem transfusões de sangue) ou se oponha aos direitos de quem professa uma fé distinta. O ponto de vista de uma confissão religiosa se expressa sempre através da proposta de um modo de vida que se considera ótimo, enquanto que do ponto de vista laico deveria considerar-se ótimo qualquer modo de vida que seja consequência de uma livre eleição, sempre que esta não impeça as eleições de outros.

(...)

Carlo Maria Martini: A pergunta, pois, que tenho intenção de lhe fazer se refere ao fundamento último da ética para um laico. Eu gostaria que todos os homens e as mulheres deste mundo tivessem
claros fundamentos éticos para seu obrar e estou convencido de que existem não poucas
pessoas que se comportam com retidão, pelo menos em determinadas circunstâncias, sem
referência a um fundamento religioso da vida. Todavia, não consigo compreender que tipo de
justificação última dão a seu proceder. 

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