Busto de Sêneca (fonte aqui) |
Lúcio Aneu Sêneca (em latim: Lucius Annaeus Seneca; Corduba, 4 a.C. — Roma, 65) foi um dos mais célebres advogados, escritores e intelectuais do Império Romano. Conhecido também como Sêneca, o Moço, o Filósofo, ou ainda, o Jovem, sua obra literária e filosófica, tida como modelo do pensador estoico durante o Renascimento, inspirou o desenvolvimento da tragédia na dramaturgia europeia renascentista.
Sêneca foi simultaneamente dramaturgo de sucesso, uma das pessoas mais ricas de Roma, estadista famoso e conselheiro do imperador. Filho de uma família romana importante, vivendo em meio mais poderosos políticos do Império Romano, ele estava acostumado aos altos e baixos da vida.
Sêneca ocupava-se da forma correta de viver a vida (ou seja, da ética), da física e da lógica. Via o sereno estoicismo como a maior virtude, o que lhe permitiu praticar a imperturbabilidade da alma, denominada ataraxia (termo utilizado a primeira vez por Demócrito em 400 a.C.). Juntamente com Marco Aurélio e Cícero, Sêneca está entre os mais importantes representantes da intelectualidade da Roma Antiga (fonte aqui).
Se as pessoas que estão no mundo conseguissem refrear um pouco seus impulsos, pensar um pouco mais antes de agir e tolerar os sofrimentos da vida, muitas das tragédias que vemos em nossos dias simplesmente não aconteceriam. Um texto de Sêneca (trecho de A tranquilidade da Alma):
1 - Eis que, sem saber, caíste numa situação de vida difícil. A adversidade pública ou privada colocou um laço em teu pescoço. Não consegues nem afrouxar nem rompê-lo de vez.
Lembra-te. Os prisioneiros, só no começo, ficam aflitos com as algemas e grilhões. Com o tempo, quando eles resolvem a não mais se irritarem e decidem tudo suportar, então ficam resignados. É quando advém o hábito e tudo se torna fácil. Realmente, em qualquer situação da vida encontrarás distrações, descanso e prazer, desde que queiras avaliar como leve teus males, em vez de tê-los como insuportáveis.
2 - Sabendo das tribulações para as quais nascemos, e nada para lhes granjear nosso reconhecimento, a natureza fez do hábito o abrandamento dos incômodos que, em pouco tempo, torna familiares os tormentos mesmo pesados.
Ninguém resistiria, se a força das coisas adversas prosseguisse tal como principia.
3 - Estamos todos algemados ao destino. Para alguns as algemas são de ouro e frouxas, para outros apertadas e sórdidas. Que diferença isso faz...
A mesma guarda cerceia a todos, quer os algemados, quer os que algemam, salvo se no teu parecer são mais folgados os ferros no pulso esquerdo.
A uns a honra e a outros a opulência prenderam. A uns a nobreza deprime, a outros a obscuridade. Alguns dobram a cabeça sob a tirania alheia, enquanto outros sob a própria. Alguns são retidos no mesmo lugar pelo exílio, a outros pelo sacerdócio. Enfim, a vida toda é servidão.
4 - É necessário saber acomodar-se à sua condição; queixar-se dela o mínimo possível; captar tudo o que ela contém de favorável, já que nada é tão acerbo que uma alma de bom censo não depare, aí, algum conforto.
Com frequência, uma área pequena torna-se, pela arte do arquiteto, apta para muitos usos e um recanto apertado se faz habitável.
Aplica a razão às dificuldades. Então coisas ásperas abrandam-se, sendo que fardos carregados, de modo ajeitado, tornam-se leves.
5 - Além do mais, as nossas volúpias não devem ficar projetadas para espaços inacessível. Permitamos, sim, que despontem em nossa vizinhança, já que, de modo pleno, não são elas passíveis de clausura.
Deixando de lado, seja o que é impraticável, seja o que é em excesso difícil, cuidemos de fazer o que está a mão e corrobora as nossas expectativas. Saibamos que todas elas são transitórias, ainda que exteriorizando diversidades, no íntimo, são mesmo voláteis.
Também não invejemos a sorte de quem está em posição privilegiada. Aquilo que parece altitude, na verdade, é boca de abismo.
6 - Ao contrário, aqueles aos quais a sorte malévola colocou em lugar indesejável, ficarão mais seguros, coartando os arroubos de grandeza e assim conduzindo seus destinos tanto quanto possível ao nível da normalidade.
Muitos são aqueles que devem se manter instalados no seu prestigio do qual só podem sair pela queda. Por essa mesma razão devem demonstrar que pesam sobre os outros, não porque se deleitam em pairar na altitude e, sim, porque a isso são coagidos.
Por isso, por sua justiça, mansidão, senso humanitário, generosidade difusa, abasteçam suas forças para enfrentar as adversidades do destino, já que tal esperança lhe suaviza a insegurança.
Nada de melhor para proteger contra tais flutuações do espírito, como colocar limites na ambição de crescimento, como ainda não deixar ao sabor da fortuna que ela edite a última palavra.
Pode, sim, ocorrer que sejamos incitados por certa cupidez, mas serão impulsos controlados e nunca sem limites.
Fonte: Ricardo Melani. Diálogo: primeiros estudos em Filosofia. São Paulo: Moderna. 2016. 2a. Ed. Pg. 128.
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